segunda-feira, outubro 09, 2006

Credendo Vides

Claude Monet, Impression, soleil levant - 1873

Sentei-me disposto a escrever o que sinto,
Num ensaio frustrado de reduzir em papel,
As certezas que tenho, com uma calma que minto.
Estou convicto do feito que é escrever a pincel,
O quadro que habito cada dia que pinto,
A tua figura em tons de pastel.

Assim, quase rendido com a ausência de ti,
Emolduro todas as marcas dos passos que damos
Em caixilhos da alma, que eu nunca senti.
E se o dia vier em que afinal recuamos,
Guardarei a pintura que um dia escrevi,
Numa só árvore, que somos, com todos os ramos.

Por fim, a ilusão do meu percurso de vida,
Qual forma de um sonho que um dia fez eco
Irrompe brilhante numa tela garrida.
E tal como do artista que esboça um boneco,
Surgem os traços d'uma imagem desvanecida,
Que geram um molde onde toco e me perco.

Deslumbrado flutuo e procuro em perspectiva
Teus olhos, tua expressão, teu sentir... e por fim,
Subtraio, no torpe, contornos para além da deriva.
Declino Cézanne, expulsando a sépia de mim,
Mas invoco Gauguin que o sentimento cativa,
Devolvendo ao mistério a sólida cor do carmim.

Ainda entorpecido numa mancha abstracta,
Desafio a gravidade sobre o chão que não piso,
Estendendo cada momento, num calendário sem data.
Afasto o passado e rejeito, indeciso,
Sons que me levem à loucura em cascata
Mas desenho, com dedos… Os trilhos do paraíso.

Procuro, como Monet, toda a essência da tinta,
Nas cores e na luz, a centelha que me faz renascer.
E é nela que resgato a paleta, a qual cuidava já extinta.
Com novo talento retomo, para jamais me conter,
À maqueta de tal obra, antes que a vida me minta,
Sabendo que o dia, amanhã, trará um novo ferver.


2005/2006 P.B.