segunda-feira, janeiro 07, 2008

Blues para o homem que pensava já não saber cantar

The State of Being Orderly But Unconsious, 1997 by Wang Jiazeng
Acordou... deixou-a ir e teve medo do escuro... vegetou... angustiou e finalmente, muito depois, decidiu lavar-se. Há anos que não se banhava!
Enquanto se lavava pensou no Kundera e a voz arrancou-lhe um cruel: “A vida não é aqui”!
Mas estava tão quente que voltou a adiar e saiu do banho.
Ficou assim, morno e quieto, até ter vindo, sabe-se lá de onde, o frio! Não é importante o que nos querem dizer com as palavras, somente o que delas sentimos.
Voltou a lavar-se. O que queria mesmo é que o lavassem. Trauteou:
“Se não sabes cantar quem é que te vem aplaudir?
Se não sabes amar quem é que te vem aconchegar?
Se só sabes morrer, ninguém te virá enterrar!”
Parou! O pensamento passou à frente e já não conseguia escrever o que tinha cozinhado segundos atrás! Brincou com as palavras mas eram apenas socos no estômago. Meu Deus (que egoísmo) que vazio…
Inventou uma sequência que deixara de ser o que sentia. Estava sempre a inventar. Desculpas.
Há bainhas que passam demasiado tempo sob os sapatos.
Há merdas que nem raspando. Secam!
O animal olhou-o angustiado. Também ele. O que queria mesmo era que também o levassem a passear. A vida, não era mesmo ali! Voltou para o banho. Tinha mesmo que se lavar. Tinha mesmo passado muito tempo. Tinha mesmo que… O gatilho estava no limite do clique mas antes iria fumar mais um. A névoa protege porque nos desvia constantemente o olhar. Azul.
Voltou a adiar. Não chegou a entrar no banho. A água limpa mas dilui. A última coisa que queria era esquecer-se. Talvez um banho seco. Clique!
Abriu a tampa e começou a escrever:
“Acordou... deixou-a ir e teve medo do escuro... vegetou... angustiou e finalmente, muito depois, decidiu lavar-se. Há anos que não se banhava! “